Uma avaliação do desempenho de diversas alternativas de parametrização dos comprimentos de rugosidade para quantidade de movimento e vapor d'água foi realizada com dados medidos sobre a água no reservatório de Itaipu, Brasil. Foram testadas 4 parametrizações para a rugosidade para a quantidade de movimento, e 4 para a rugosidade para o vapor d'água. As parametrizações para quantidade de movimento consistem na equação de Charnock e generalizações, enquanto que as parametrizações para vapor d'água baseiam-se em equações propostas por Brutsaert. As 4 parametrizações para quantidade de movimento produziram resultados muito parecidos em termos de bondade de ajuste e erros, e se revelaram apenas fracamente dependentes da velocidade de atrito. Já as parametrizações para vapor d'água produziram resultados mais dispersos, sendo que as melhores parametrizações encontradas dependem muito fracamente do número de Reynolds de rugosidade, ou são independentes do mesmo. Tanto no caso de quantidade de movimento quanto de vapor d'água, os valores dos parâmetros ótimos de cada parametrização encontrados para Itaipu são significativamente maiores do que os reportados na literatura.
Palavras chave: Quantidade de movimento; Equação de Charnock; Turbulência.
A estimativa correta dos fluxos superficiais de quantidade de movimento, calor sensível e massa de vapor d’água é um fator crucial em muitas aplicações de engenharia, incluindo a modelagem de interações superfície-atmosfera em modelos atmosféricos e modelagem e gerenciamento de recursos hídricos (Heikinheimo et al., 1999; Kelman et al., 2004; Mahrer e Assouline, 1993; Siqueira e Katul, 2010; Thomas et al., 2008). A partir de medições feitas na parte superior da camada limite atmosférica, denominada subcamada inercial (onde se aplica a Teoria da Similaridade de Monin-Obukhov; ver Raupach e Thom (1981)), os fluxos de escalares podem ser obtidos a partir da teoria de Brutsaert para a estimativa do comprimento de rugosidade para os escalares (Brutsaert, 1965, 1975a,b), que estende a Teoria da Renovação Superficial (TRS) de Danckwerts (1951) para produzir um conjunto fechado de equações para os comprimentos de rugosidade de um escalar (no nosso caso, a rugosidade para o vapor d’água) e o tempo médio de contato dos vórtices de menor escala com a superfície. Para ser aplicada, a teoria requer o conhecimento do comprimento de rugosidade para quantidade de movimento característico da superfície.
Para superfícies sólidas e com vegetação, geralmente pode ser considerado constante, pelo menos sobre uma certa faixa de direções do vento. Sobre a água, é mais comumente estimado usando a equação de Charnock (1955),
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onde é a velocidade de atrito e é a aceleração da gravidade e o número adimensional é o parâmetro de Charnock. Para oceanos abertos, é da ordem de como sugerido originalmente e corroborado por diversos estudos posteriores (Large e Pond, 1981; Smith,1980, 1988b; Stacey, 1999).
Para o caso de corpos de água rasos, existem evidências de que a parametrização de Charnock não explica totalmente a relação entre a velocidade média do vento e a velocidade de atrito (Anctil e Donelan, 1996). Por exemplo, valores maiores do coeficiente de Charnock foram encontrados por Garratt (1977) () , Wu (1980) () e Shabani et al. (2014) ().
Devido aos diferentes valores encontrados para o parâmetro de Charnock em corpos de água rasos e profundos, e devido à pequena bibliografia sobre o tema, é importante a realização de outros estudos sobre a parametrização de em lagos. Uma parte do presente trabalho consiste em parametrizar adequadamente , utilizando dados provenientes de uma extensa campanha micrometeorológica no lago de Itaipu, Brasil.
Para lagos, a parametrização para o comprimento de rugosidade de escalares da teoria original foi testada por diversos autores (ver, por exemplo, Dias e Vissotto, 2017; Verburg e Antenucci, 2010), com valores de parâmetros sempre muito próximos daqueles propostos originalmente por Charnock (1955) e Brutsaert (1975a,b). Neste trabalho, nós avaliamos experimentalmente as alternativas existentes, com particular atenção aos erros que elas produzem, e aos valores ótimos de seus parâmetros.
Este trabalho está organizado da seguinte maneira: na seção 2, nós apresentamos a metodologia e revisitamos parametrizações alternativas tanto para quanto para ; na seção 3, nós descrevemos brevemente o sítio experimental do lago de Itaipu, cujos dados são utilizados neste trabalho; na seção 4, nós comparamos as diversas parametrizações, e discutimos os resultados obtidos. As conclusões são apresentados na seção 5.
Neste trabalho, nós lidamos com os fluxos turbulentos de quantidade de movimento, calor sensível e calor latente, dados por
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Nas equações acima, é a velocidade longitudinal do vento; é a velocidade vertical; é a densidade do ar; é o calor específico a pressão constante do ar; é a temperatura do ar; é a umidade específica, e é o calor latente de evaporação. As equações (2)–(4) definem as escalas turbulentas , e (velocidade de atrito e escalas turbulentas de temperatura e umidade, respectivamente), a partir das quais obtém-se a variável de similaridade de Obukhov,
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onde é uma altura arbitrária acima da superfície, é a constante de vón Kármán, e
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são a temperatura virtual média e a escala turbulenta de temperatura virtual, respectivamente. Nas equações acima, uma barra indica uma média e uma linha a flutuação turbulenta em torno da média.
Os fluxos turbulentos e podem ser estimados a partir da medição de grandezas médias via Teoria de Similaridade de Monin-Obukhov (TSMO), com
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e substituição em (2) e (4), onde a é a altura de medição da velocidade média , e é a altura de medição da umidade específica média . Em (8) e (9), e são as funções de similaridade para os fluxos de quantidade de movimento e vapor d’água de Businger-Dyer (Brutsaert, 1982, seção 4.2). O foco central deste trabalho é a comparação de parametrizações para os comprimentos de rugosidade para a quantidade de movimento e para o vapor d’água, . Dias e Vissotto (2017) encontraram discrepâncias na parametrização do fluxo de calor sensível que eles atribuíram à advecção de calor sobre o lago. Por esse motivo, neste trabalho nós avaliamos apenas a estimativa do fluxo de calor latente, associado ao fluxo de massa de vapor d’água, via equação (9).
Em interfaces água-ar é usualmente parametrizado através de , e da viscosidade cinemática do ar . Alguns trabalhos também incluem outras grandezas, relacionadas com o estado das ondas na superfície (Drennan et al., 2003; Johnson et al., 1998; Kitai gorodskii e Volkov, 1965; Maat et al., 1991; Mascart et al., 1995; Monbaliu, 1994; Oost et al., 2002; Taylor e Yelland, 2001; Vickers e Mahrt, 1997). Porém em lagos e outros corpos d’água rasos as ondas não conseguem se desenvolver completamente; além disso, em várias aplicações (mesmo no oceano), as características das ondas na superficie nem sempre estão disponíveis. Por isso neste trabalho nós testamos parametrizações para somente com , e . As parametrizações avaliadas são generalizações de parametrizações existentes, com a forma
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Em (10), e são constantes adimensionais, e , e precisam atender ao sistema subdeterminado
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para produzir um resultado com dimensões de comprimento. O caso e produz o comprimento de rugosidade para escoamentos turbulentos lisos (Smith, 1988b), que é exatamente o segundo argumento de na Eq. (\ref{eq:zzero2}). Note que essa restrição (a escolha do maior valor entre as duas expressões) evita que valores demasiadamente pequenos (ou mesmo negativos) resultem de combinações arbitrárias dos parâmetros , , , e , principalmente em buscas automáticas do algoritmo de otimização. Para um conjunto de dados medidos, a equação (10) pode ser otimizada em função de , , e . Para cada , e ficam determinados via (11)–(12):
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Na seção 4, diversas combinações de , e são obtidos por otimização, com o método de Levenberg-Marquardt, para o lago de Itaiu.
Para estimar o fluxo de massa de vapor d’água através da expressão (4) é necessário determinar o comprimento de rugosidade z 0E na expressão (9). Um resultado clássico apresentado em Brutsaert (1975b) é
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onde é o número de Dalton interfacial, e é o coeficiente de arrasto interfacial. Brutsaert (1975a) obteve . A equação (14) é válida apenas para o regime turbulento rugoso, que é predominante em condições de campo. Para o regime liso, Brutsaert (1975b) propõe
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Neste trabalho, quando o regime é turbulento liso, a Eq. (15) é sempre adotada, independentemente da parametrização que está sendo utilizada para o regime turbulento rugoso (que constitui a maioria dos casos). Com a Teoria de Renovação Superficial é possível quantificar Da 0 na Eq. (14); Brutsaert (1975a) obteve
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Em (16), é um número adimensional, é o número de Reynolds de rugosidade, definido como
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e é o número de Schmidt,
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onde é a difusividade molecular de vapor de água no ar. Note que o expoente do número de Schmidt em (16) vem da solução transiente da equação da difusão para uma parcela de fluido na Teoria de Renovação Superficial (Brutsaert, 1965; Danckwerts, 1951); o valor de é confirmado por uma série de resultados experimentais (\textit{c.f.} Figura 2 de Lorke e Peetres (2006)). Por este motivo, neste trabalho nós mantivemos o expoente de fixo em para todas as alternativas de parametrização de .
Published on 10/06/20
Accepted on 02/06/20
Submitted on 02/12/19
Volume 36, Issue 2, 2020
DOI: 10.23967/j.rimni.2020.06.001
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